Minuto da consciência crítica: Reformas na administração pública - Quais seus princípios ocultos?

Essa reforma da administração pública é parte da globalização das formas da arte de governar.

Em todo o mundo, seja qual for a situação local, os mesmos métodos são preconizados, e o mesmo léxico uniforme é empregado (competição, reengenharia de processos, “benchmarking”, “best practice”, indicadores de desempenho).

Esses métodos e essas categorias são válidos para todos os problemas, todas as esferas de ação, da defesa nacional à gestão dos hospitais, passando pela atividade judicial.

Essa reforma "genérica" do Estado segundo os princípios do setor privado apresenta-se como ideologicamente neutra: visa somente à eficiência ou, como dizem os especialistas britânicos em auditoria, ao "value for money", isto é, à otimização dos recursos utilizados.

Vimos anteriormente que a adesão à nova gestão pública passou por cima das divisões partidárias, a ponto de constituir um dos eixos principais da "terceira via", que supostamente reunia os novos democratas norte-americanos e a renovada social-democracia europeia.

Na realidade, trata-se de uma racionalidade extremamente pregnante e, na medida em que tem poucos críticos e oponentes, ainda mais poderosa.

Essa nova gestão pública, tão universalmente aceita, age de maneira muito mais eficaz do que qualquer discurso radical, enfraquecendo as resistências éticas e políticas dentro dos setores público e associativo.

O fato é que com esse léxico, e com a racionalidade que ele contém, difunde-se uma concepção utilitarista do homem que não poupa nenhum campo de atividade.

O funcionário público é um agente racional que reage apenas aos estímulos materiais. Os códigos de honra da profissão, a identidade profissional, os valores coletivos, o senso de dever e o interesse geral que movem alguns agentes públicos e dão sentido a seu compromisso são deliberadamente ignorados.

Por toda parte, e em todos os setores, os motivos para agir são os mesmos, assim como os procedimentos de avaliação que condicionam as recompensas e as punições. Um enorme trabalho de redução do sentido da ação pública e do trabalho dos agentes públicos está em curso: têm pertinência apenas os motivos mais interesseiros de conduta, apenas os incentivos pecuniários que supostamente a orientam.

Com esse governo empresarial, o mercado não se impõe simplesmente porque "invade" os setores associativos e de Estado, mas porque se tornou um modelo universalmente válido para pensar a ação pública e social.

Hospitais, escolas, universidades, tribunais e delegacias são considerados empresas da alçada das mesmas ferramentas e das mesmas categorias.

Esse trabalho de redução típico da gestão pública tem a ver, naturalmente, com a mutação antropológica que caracteriza as sociedades ocidentais. Ele não é apenas o reflexo dessa mutação, mas, ao contrário, é um vetor particularmente eficaz dela quando diz respeito a domínios que podem parecer heterogêneos à lógica quantitativa dos desempenhos.

Basta pensar na educação, na cultura, na saúde, na justiça ou na polícia. Nesses domínios, as mutações não são menos patentes do que em outros.

Noções como a de "gestão dos fluxos judiciários", difundidas nos anos 1990, tendem a transformar o magistrado num administrador que todo ano é obrigado a aumentar seu "portfólio de processos", e de forma imperativa, na medida em que seu salário e sua promoção vão depender cada vez mais do cumprimento dos indicadores.

O entendimento maciçamente contábil da atividade judiciária, médica, social, cultural, educacional ou policial tem consequências consideráveis sobre a maneira como são considerados os “clientes” desses serviços regidos pelos novos princípios gerenciais, assim como sobre a forma como os agentes vivenciam a tensão entre essas lógicas contábeis e o significado que dão à profissão.

As normas contábeis constituem não tanto uma “ideologia”, mas forma específica de racionalidade importada do econômico.

Nesse sentido, a “gestão pelo desempenho" gera problemas sérios, que em geral ela tende a evitar: a determinação dos indicadores de desempenho, a apresentação dos resultados, a circulação da informação entre "topo" "base".

A questão é saber o que quer dizer “cultura de resultado” na justiça, na medicina, na cultura ou na educação, e sobre quais valores podemos julgá-lo.

Na verdade, o ato de julgamento, que depende de critérios éticos e políticos, é substituído por uma medida de eficiência que se supõe ideologicamente neutra.

Assim, tende-se a ocultar as finalidades próprias de cada instituição em benefício de uma norma contábil idêntica, como se cada instituição não tivesse valores constitutivos que lhe são próprios.

Texto retirado do livro "A nova razão do mundo" de Pierre Dardot e Christian Laval

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Última modificação em Quinta, 25 Janeiro 2024 16:26
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